Conto: A Bailarina




A bailarina girava, girava, girava sem parar...
Izabel, que havia herdado o mesmo nome da avó, estava sentada no sofá da sala e via vó Iza olhar a caixa de música fascinada.
A música que saía da pequena caixa inundava toda a sala e a bailarina, ao som de Danúbio Azul, rodopiava como se tivesse vida própria.
Todo dia era a mesma coisa, vó Iza ficava sentada em sua cadeira de balanço durante horas, olhando a bailarina rodopiar.
E Izabel tentava imaginar o que se passava pela cabeça de extraordinária mulher.
Aos 70 anos foi diagnosticado o mal de Alzheimer e agora aos 75 anos, já chegara à fase da doença que por vezes não reconhecia mais a família e amigos. Vivia num mundo próprio, aonde qualquer mudança de ambiente era visto com agressividade.
Hoje era um dia bom, ela tinha reconhecido Izabel. Sorrira, fizera carinho em seu rosto...mas na maioria dos dias ela não a reconhecia, olhava-a assustada e perguntava: “quem é você, o que faz em minha casa?”.
E, quando Izabel chorava, vencida pelo desespero de não poder ajudar a avó, esta se acalmava, sorria e dizia: “não chore, criança, sua mãe logo vem te buscar.”
A única pessoa que ela jamais esquecia era seu marido Otávio, que já havia morrido há muito tempo.
Num dia como hoje, em que ela se lembrava das coisas, chorava agarrada a caixinha de música que ele havia lhe dado quando se conheceram.
Contava inúmeras vezes às histórias de quando era bailarina do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. De como viajara pelo mundo, dançando...
E Izabel via lá no fundo de seus olhos já sem brilho, um vislumbre de luz, de lembrança e toda saudade que ela sentia de seu avô.
Depois que Otávio morreu, ela nunca mais foi à mesma.
Era lindo ver uma história de amor como aquela.
Ele foi seu primeiro e único namorado. Um dia ele foi com os pais ao Municipal, assistir a uma apresentação e ela estava lá dançando Danúbio Azul. Foi amor à primeira vista!
Noivaram, casaram, tiveram filhos e ela optou por largar a dança e cuidar da família.

O relógio da sala tocou e Izabel saiu de seus devaneios, era à hora do lanche da avó.
Olhou-a...ela continuava hipnotizada pela bailarina.
Essa era a música da vida dos dois...se conheceram com ela, valsaram na festa de casamento deles e Otávio havia lhe dado aquela caixinha de presente. E vó Iza se agarrava a ela, como a um tesouro.
Chegou perto da avó:
- Vovó.
Ela levantou a cabeça, uma lágrima escorrendo pela face enrugada e iluminando os pequenos olhos azuis. Sorriu...
- Viu como é bonita? Otávio diz que parece comigo...
- Sim, é linda...mas a senhora é muito mais, vovó.
Como se um sopro tivesse sido dado, vó Iza levantou novamente a cabeça, o brilho havia desaparecido de seus olhos e ela assustada, se agarrava a caixinha de música:
- Quem é você, como entrou em minha casa? Otávio, Otávio! Tira essa moça daqui, ela quer pegar minha bailarina.

A realidade novamente se misturou a ilusão...
Izabel suspirou e começou a cantarolar baixinho, empurrando a cadeira de balanço, até que sua avó se acalmasse.


Nota: Danúbio Azul, de Johann Strauss II ((1825-1899), foi executada pela primeira vez em 15 de fevereiro de 1867, num baile de Carnaval no salão de uma piscina pública. O compositor não compareceu à apresentação. Muitos tomam a famosa valsa como o hino nacional da Áustria.

Para embalar esse conto, escolhi a soberba interpretação de André Rieu, um violinista e regente holandês.




quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

12 Comments:

Margarete Bretone said...

Lindo e emocionante...

Cin said...

Tenho pessoas na familia com essa doença, é tão triste...mas o conto ficou lindo.
Bjos querida!

leve solto said...

Maravilhoso conto... me emocionei.. pensei nos meus pais.. enfim.. super escolha seu post de hoje!

Bjs

Mara

Anônimo said...

adorei, linda! e Andre Rieu é demais!! Belo gosto vc tem!

Um grande beijo!

. fina flor . said...

ai que história bonita!!!!!!

isso sim é história de amor :o)

beijos e bons ventos nesse começo de ano, querida

MM.

ps: tô aqui ouvindo a música linda

Anônimo said...

Muito bonito...Vó Iza beijos !!!

Anônimo said...

O conto é de uma sensibilidade incrível, parabéns! Vim aqui porque vi teu link no blog do Tito. Hoje ele está tristinho...Dá uma passadinha lá!

markus said...

EF,
Texto mt bonito parabéns.
Aproveito para te deixar um beijinho com votos de bom resto de semana****

Anônimo said...

Tô triste não... Foi só uma brincadeirinha inocente !!! Obrigado pelas palavras de apoio.Gostei da musiquinha.

Alê Quites said...

=D

Anônimo said...

Puxa, Edna, quanto carinho e bom gosto, hem? O conto é maravilhoso, e a música de Rieu é divina. OBrigado. bjs

Flávia said...

ah, Edna... confesso: fui às lágrimas com tanta delicadeza.

Lindo, lindo.

Beijo!

 
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