Carta: A todos que não foram e não ligaram


Dia desses estava na sala de espera de um consultório médico e para passar o tempo, folheava uma dessas revistas de comportamento (havia esquecido meu livro em casa).
Folheava a esmo, pois são sempre os mesmos temas, fotos parecidas e bilhões de propagandas. Até que achei uma coluna da Fernanda Young com esse texto, que adorei!
Com a devida autorização da dona da revista, trouxe pra casa e divido com vocês. Foi um texto publicado na Revista Claudia, em Fevereiro de 2006.



A TODOS QUE NÃO FORAM E NÃO LIGARAM.



Bom, você não foi. E não ligou.
A mim, só restou lamentar a sua falta de educação.
Imaginando motivos possíveis. Será que você não foi porque realmente não pôde ou simplesmente não quis? Será que não ligou para não me magoar ou justamente o inverso disso?

Estou confusa, claro. Achava que você iria.
Tanto que eu aguardei sua chegada por mais minutos do que deveria, inventando desculpas esfarrapadas para mim mesma. O trânsito, o horário, a meteorologia. Qualquer pneu furado serviria.
E até o último instante, juro, achei que você chegaria a qualquer momento. Pedindo perdão pelo terrível atraso. Perdão que você teria, junto com uma cara de quem está acostumada, e assim encerraríamos o assunto. Mas você não foi.
Esperei outro tanto pelo seu telefonema, com todas as esclarecedoras explicações. Para cada razão que houvesse, pensei numa excelente resposta. Para cada silêncio, num suspiro. Para cada sensatez de sua parte, numa loucura específica minha.
Se você tivesse ligado do celular, eu seria fria.
Se tivesse ligado do trabalho, seria levemente avoada.
Se a ligação caísse, eu manteria a calma.
Foram muitos dias nessa tortura, então entenda que percorri toas as rotas de fuga. Cheguei a procurar notícias suas pelos jornais, pois só um obituário justificaria tamanha demora em uma ligação. Enfim, por muito mais tempo do que desejaria, mantive na ponta da língua tudo o que eu deveria te dizer, e tudo o que você merecia ouvir, e tudo. Mas você não ligou.
Mando essa carta, portanto, sem esperar resposta. Nem sequer espero mais por nada, em coisa alguma, nesta vida, para ser sincera.
No que se refere a você, especialmente, porque o vazio do seu sumiço, já me preenche; tenho nele um conforto que motivos não me trarão.
Não me responda, então, mesmo que deseje.
Não quero um retorno; quis, um dia, uma ida. Que não aconteceu, assim deixemos para lá.

Estaria, entretanto, mentindo se não dissesse que, aqui dentro, ainda me corrói uma pequena curiosidade. Pois não é todo dia que uma pessoa não vai e não liga, é? As pessoas guardam esses grandes vacilos para momentos especiais, não guardam?
Então, eis a minha única curiosidade: você às vezes pensa nisso, como eu penso? Com um suave aperto no coração? Ou será que você foi apenas um idiota que esqueceu de ir?

Fernanda Young

imagem: http://prizinhadesigner.files.wordpress.com/2007/07/telefone01.jpg

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

8 Comments:

Renato said...

Muito bom este texto! Fernanda Young consegue pinçar do banal o essencial e deixar no ar aquela provocante reflexão.
bj

Flávia said...

Acho que deve ser assim, sabe? Deixar pra lá quando se espera uma ida que não aconteceu... e não consigo definir por que, mas esse texto mexeu muito comigo. Medo talvez de entender que eu, em algum momento, não fui, e não liguei.

Beijo, querida.

Jana said...

Lindo!!! Todo mundo já teve um idiota que esqueçeu de ir rs

beijos

Fabiola said...

olha nao sou muito fa da fernanda Yang
mas este eu gostei!
bjk

Luiz Caio said...

Oi Edna! Boa noite!
Que infeliz espera! Uma das piores coisas que existem é esperar envão, por alguém que não comparece ao compromisso marcado... Pior ainda é quando nem satisfação da! Este defeito, não faz parte dos meus não... Graças a Deus!rsrs

BEIJOS.

Fabi said...

Adoro Fernanda Young, esse texto não conhecia....
E estou com ela nas indagações que ficam.. qd alguém q mal chegou se foi

Jac C. said...

A mulher escreve bem hein!
Que descrição inteligente de um sentimento que sempre que pode nos incomoda tanto... ausências.
Valeu trazê-lo a nós.
Bjs

nd said...

A ausência ou a falta de comunicação me incomoda profundamente, minta, não tem problema, mas dê notícias, eu prefiro a mentira do que o silêncio.

Belo texto.

Bjs

 
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