Conto: Saudade

Ela tentou se lembrar há quanto tempo estava ali deitada...horas, dias, semanas?
Pensou como seria bom se ao abrir os olhos, descobrisse que tudo fora um pesadelo, que ele ainda estaria ali ao seu lado na cama, como naquelas histórias infantis, que ao piscar os fatos se transformam.

Foi abrindo os olhos devagar, com medo de enfrentar a realidade, a dor, a solidão, o silêncio...aquele vazio insuportável que dilacerava seu coração.
A cabeça latejou conforme os olhos iam se acostumando com a luz...a claridade do Sol entrava pela janela que havia ficado entreaberta.
Ela, que sempre adorou dias ensolarados, já não suportava o Sol e sua alegria...não havia espaço dentro de si para a felicidade, dias bonitos, risadas, não mais. Agora preferia a noite, quando tudo se aquietava e ela podia dar vazão a toda sua dor.

Sentou devagar. Não, não foi um pesadelo...lá estava seu quarto, sua cama, o espaço vazio ao seu lado. Tocou o travesseiro dele...parecia que ainda podia ver a marca da cabeça que por tantos meses ali repousara. Era como se pudesse vê-lo...olhos fechados, um braço acima da cabeça, um cacho de cabelo caindo teimoso sobre a testa, barba por fazer, um leve sorriso debochado (sim, mesmo quando dormia tinha aquele sorrisinho), pernas abertas, quase derrubando-a da cama...

A imagem foi se desfazendo e ela desesperada tentou recuperá-la.
Não! Precisava
continuar vendo...tinha medo de um dia acordar e perceber que já não lembrava mais dos traços que ainda tanto amava.

Sentiu uma lágrima escorrendo por seu rosto. Nem fez menção de enxugar, já não se importava com elas.
Pegou o travesseiro e cheirou...se agarrou mais a ele quando sentiu o perfume amadeirado. Deu um gemido rouco, deixando que a dor brotasse.
Quem disse mesmo que coração não dói?????? Com certeza não foi nenhum apaixonado, não foi nenhum poeta...
Sim, seu coração doía, sangrava e aquela dor ia se espalhando por todo seu ser...corpo,alma...não dava trégua!

Há quantos dias mesmo ele tinha partido??????

A gata miou, pulou na cadeira e ficou encarando-a, como se acusando-a pela partida dele...desde o dia que ele fora embora ela estava distante.
Olhou para o armário...as portas escancaradas deixavam ver o espaço vazio, que antes era tomado pelas coisas dele. Não havia mexido em nada desde aquele dia...tudo estava como ele havia deixado: cama desarrumada, armário aberto, toalha na pia do banheiro, bilhete...
Uma rajada de vento balançou a cortina e o porta retrato da mesinha caiu. Ela pegou a foto...os dois abraçados, rindo...ela não se reconhecia na mulher que a encarava.
Ele...ah, aquele sorriso debochado, aqueles olhos que a faziam sempre dizer sim, sempre ceder, sempre querer, sempre pedir mais...
Olhou em volta a procura de mais alguma coisa que a fizesse lembra dele...nada! Havia levado tudo, era como se nunca tivesse estado ali...nenhum Cd, nenhum DVD, nenhum livro, roupa, sapato, papel...nada.
De repente viu o bilhete caído no chão, aonde no seu desespero o havia jogado.
Aquele maldito bilhete!
Como uma frase tão pequena podia provocar tanta dor?

"Estou saindo de sua vida, não me procure...desculpe!"

E assim ele saiu de sua vida, da mesma forma que entrou, provocando um vendaval!
Só que na partida levou muito mais do que na chegada...levou também sua felicidade, seus sorrisos, sua alegria, seu brilho no olhar, seu coração.
Deixou o que não era necessário...dúvidas, lembranças que iam matando aos poucos, lágrimas, dor, saudade...

Deixou-se cair na cama, fechou os olhos agarrada ao porta-retrato.
Não queria mais chorar, não queria mais imaginar, não queria mais tentar entender, não queria mais sentir!
Mas seu coração, aquele traiçoeiro, que tão facilmente abriu as portas para aquele amor, teimava em ressoar por todo o espaço: saudade, saudade, saudade...

by Edna Federico

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

26 Comments:

O Profeta said...

Atravesso o céu em sonhos
Três aves do mar, três raios de sol, três punhais
Seguem-me apontados à solidão
Ah este vento que sopra nos brandais


Vem partilhar comigo uma história real


Mágico beijo

Anônimo said...

Fazia tempo que não tinha um conto seu por aqui, hein? Tava com saudades.E esse ficou ótimo!
Já passei por algo parecido e dói muito mesmo.
Beijão

Edna Federico said...

Pois é, passei um bom tempo sem inspiração...vamos ver se agora engata.
Beijo

Vivian said...

...por que será que as despedidas
sempre trazem com elas os momentos de dor?

será porque não aprendemos a viver
só, nos esquecendo que somos sós
em essência e ela nos basta?

pensando aqui...

amei te ler, e amei vê-la
passeando lá em casa.

obrigada, linda!

bjs

Jana said...

essas coisas do coração são tão complicadas...

beijos

Anônimo said...

Partir dessa forma é bem covarde, não é?
A música ficou perfeita para o conto, parabéns!

Flávia said...

Ai, Edna.. que triste... eu sempre sofro superlativamente com despedidas... e despedidas de amor, então me despedaçam.

Lindamente triste.

Beijos!

Jac C. said...

Escrever contos é algo bem interessante.
E olha que interessante... é um conto tão real.
Bjs

Luiz Caio said...

Oi Edna! Como vai?
Amar é tão bom! Mas as vezes doi tanto, que não quero mais amar... Mas daí eu tería que morrer, pois sem amor não vivo!
MUITO BONITO, O CONTO!

TENHA UMA LINDA NOITE!
BEIJOS.

Anônimo said...

Olá Edna...
Este conto doeu em mim, quase passei por algo assim, quase porque nos reconciliamos antes do pé atravessar o portão da casa. Achei muito bacana o seu blog.
Bjos

Tiago Soarez said...

É impossivel não se colocar no lugar de quem passou esse sofrimento no seu conto.

Eu não gosto de despedidas... de amor então, são as piores.

Beijos

Edna Federico said...

Jac, que bom que lhe pareceu real, como disse uma vez o Renato, se o conto parece real, é porque ficou bom, riso. Mas, aina bem que nunca passei por isso, é uma história mesmo.

Lu Souza, obrigada pela visita

Todos: fico feliz que gostaram, obrigada!

Cadinho RoCo said...

Mas a saudade ensina muito.
Cadinho RoCo

Anônimo said...

"Quem disse mesmo que coração não dói??????"

É verdade, quem disse?
Vc tem razão, dói sim e dói mto.
Belíssimo conto!

Daniel

FERNANDINHA & POEMAS said...

Olá Edna, belíssimo conto!... Parabéns! Beijinhos e bom fim de semana,
Fernandinha

Odele Souza said...

Olá Edna,

Bonito o conto.E adorei rever Caetano nesse video.
Adoro Caetano.

Beijos e bom fim de semana.

Unknown said...

Gostei deste conto...
Abraços

Alice said...

Adorei Edna !! mandou bem !!


mil bjas pra vc e um lindo final de semana

Fabi said...

E assim ele saiu de sua vida, da mesma forma que entrou, provocando um vendaval!

Uauuuuuuuuuuuu
Me vi em seu texto, um monte de emoções foram despertadas aqui...
ai, ai, ai, pq tem que ser assim?

Késia Maximiano said...
Este comentário foi removido pelo autor.
o que me vier à real gana said...

Olá, boa noite!
Ela anda por aí, só temos k estar atentos... observar com aturada atenção; perscrutar! Depois, bem, depois é um pouco de labor e a coisa sai... assim digna!

PrincipeTito said...

Hoje é o nosso dia...Abraços!!!

nd said...

Lindo conto.
É sempre assim, quem vai, leva sempre um pedaço de quem fica.
Obrigada pela visita, volta sempre.
Pq eu vou voltar por aqui
Bjs

Késia Maximiano said...

E como são duras as despedidas... =/

Vivian said...

...vim agradecer suas visitas,
e desejar uma semana repleta de muitas inspirações...

bju, linda!

. fina flor . said...

vixe, tenho uma amiga que está passando exatamente por isso e se ler seu texto vai choraaaaaar, rs*

beijos, flor

MM.

>>> ficou bem bonita a casa nova

 
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