Outra dica literária: KARL MARX OU O ESPIRITO DO MUNDO, do economista francês Jacques Attali, editado pela Record.
"Este livro ajuda a entender como Karl Marx foi capaz de escrever com menos de trinta anos o texto não religioso mais lido de toda a história da humanidade, revelando suas relações singulares com o dinheiro, o trabalho, as mulheres; a descobrir um grande jornalista e um impressionante teórico. Ajuda-nos, enfim, a perceber que hoje, no momento em que se acelera a globalização por ele prevista, Karl Marx volta a ser de grande atualidade."
Vejam o que diz Elias Thomé Saliba no Jornal do Brasil em 22/7/2007:
Mergulho sereno em uma vida complexa
Em 'Karl Marx ou o Espírito do Mundo', Jacques Attali consegue cumplicicidade envolvente do leitor com o personagem
Em 1887, quatro anos depois da morte de Marx, a nova edição inglesa de O Capital, emplacou, em apenas um ano, a marca de 5 mil exemplares vendidos nos Estados Unidos.
Mas o efêmero sucesso foi devido à penetrante propaganda do editor junto aos profissionais das finanças, que anunciou o livro como um “fabuloso método de fazer fortuna no sistema bancário!”. Entre inúmeros, este foi apenas um pitoresco exemplo da mais formidável trajetória de equívocos associados a uma obra que talvez tenha sido a mais calamitosamente mal interpretada de todos os tempos. Jamais um pensador arregimentou um tão amplo e variado sortimento de incompreensões, manipulações e ambigüidades.
Os usos e apropriações de sua obra por credos bastardos só perde para a maneira como as centenas de seitas cristãs maltratam o Antigo Testamento.
Com a biografia de Marx aconteceu o mesmo: de um lado, narraram sua vida igualando-o a um quase-Messias, um santo laico que iria salvar o mundo das injustiças; de outro, satanizaram-no de tal forma que, se ele tivesse vivido mais alguns anos, certamente seria apontado como o principal suspeito dos crimes de Jack, o estripador.
Em anos recentes, a voga das biografias fartamente pesquisadas veio alterar de vez este panorama, revelando uma história bem mais interessante que a idolatria ou o menosprezo apressado de tantos biógrafos. É o caso de "Karl Marx ou o Espírito do Mundo de Jacques Attali" que chega às mãos do leitor brasileiro. Attali sempre se saiu bem, escrevendo sobre os mais diversos assuntos.
Da vida de Marx ele nos dá detalhada narrativa, conectando as vicissitudes privadas e frustrações públicas em seis magníficos capítulos, que resumem as diversas facetas do homem, do filósofo, do revolucionário, do economista, do pensador e do líder da Internacional. E se mostra lúcido e sensível para delinear um retrato forte e comovente de Marx: um apátrida de relacionamentos planetários, um pessimista com extrema confiança na humanidade, um homem sozinho - perseguido pelas polícias de todas as nações, desterrado até em seu campo - e cuja obra se encontrava ainda em estado de esboços desordenados no momento de sua morte.
Attali não deixa de lado a explanação concisa de alguns conceitos e cria uma cumplicidade envolvente do leitor com o personagem Marx: a precisão do seu pensamento, o poder de seu raciocínio, a clareza de suas análises, a ferocidade de suas críticas, o humor de suas tiradas, a clareza de seus conceitos.
“Imagine Rousseau, Voltaire, d’Holbach, Lessing, Heine e Hegel reunidos numa mesma e única pessoa - e estou dizendo reunidos e não justapostos - e tereis o doutor Marx.” Esta frase, de Rudof Hess, talvez seja a mais definidora da personalidade intelectual de um pesquisador incansável - capaz de descobrir - no lixo de um sebo - preciosos relatórios de inspetores de fábrica ingleses, que ajudarão a fundamentar argumentos da sua teoria da mais-valia.
Mas Attali nos revela também uma vida que se desenvolve numa espiral cada vez mais pungente e que ele acompanha com os acontecimentos da época. Marx nunca teve um emprego ou renda fixa por mais do que dois anos, sua vida familiar foi de crônica miséria e tristeza: perdeu três filhos ainda jovens, sofreu dores horríveis dos furúnculos, da doença hepática e dos pulmões - e ainda, constrangeu-se por longos anos com o amigo Engels - que não somente bancava suas dívidas, como também assumiu como seu o filho que Marx teve com a empregada.
De qualquer forma, passando bem longe do trivial, a biografia é um mergulho sereno na complexidade de uma vida. Há momentos envolventes nos quais os conceitos se relacionam intensamente com eventos e emoções da própria vida de Marx, transmutando-se em lúcidas observações autobiográficas: todo trabalho é sofrimento, pois ele sempre cria algo que está fadado a separar-se do seu autor. Marx também sentiu, toda a sua vida, imensa dificuldade de separar-se de qualquer texto e dá-lo por concluído. Sua irônica observação - “Não tenho tempo para escrever livros curtos” - pode ser vista como um clarão autoderrisório das suas próprias dificuldades de escrever. Para escrever, Marx também sempre precisava de um alvo, de um adversário que lhe permitia avançar teoricamente ao longo das frases; necessitava também, ardentemente, escorar-se em fatos e acontecimentos da história imediata.
Attali justifica toda esta ebulição com a observação de que Marx tinha a alma de repórter. Lembre-se que Marx chegou a visitar a Exposição Universal de Londres, em 1862, como jornalista credenciado e, em certa época, sonhou em fundar uma agência de imprensa - o que, afinal, acabou se realizando, alguns anos depois, só que por um outro judeu-alemão radicado em Londres, Julius Reuter.
Seja como for, é assim que Attali explica sua crônica incapacidade de concluir: cada vez que Marx está para encerrar um escrito acabava interrompendo-o para mergulhar num novo oceano de livros.
Qualquer pretexto serve para ele não escrever a palavra “fim”. Parece que tem que surgir um obstáculo toda vez que ele está para entregar um texto, como se o medo de publicar o deixasse doente. É que Marx permanecia tão obsessivamente conectado à realidade imediata que não queria perder nada. Acabar seus escritos seria como concordar que a realidade tinha acabado e admitir que a história chegara ao fim. O que nos faz lembrar daquele incrível Michel Carra, engajado e apaixonado jornalista da época da revolução francesa - a quem se refere Victor Hugo em 'Noventa e Três' - o qual, a poucos minutos de ser guilhotinado, resmungou ao impassível carrasco: “Aborrece-me morrer, gostaria de ver o resto!”
2 Comments:
Oi, Edna!
Gostei da dica, mas fica dificil sabermos de algu�m t�o voltado ao capital escrever al�m disso..rs
Beijos
É verdade...mas, as pessoas podem apresentar facetas diferentes, né?
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