Máquina do Tempo









Bom dia, galera!

Há pouco tempo escrevi um texto aqui falando sobre minha avó e da saudades que sinto dela.
Essa semana, falando sobre o Sentido Audição, lembrei do meu avô e não seria justo não comentar também sobre ele, já que tenho lembranças de infância muito enraizadas.

Meu avô é do outro ramo da família, pai do meu pai.
Era um homem forte!
Não forte no sentido físico, já que nem era muito alto e nem muito robusto. Sua firmeza vinha do modo como se impunha, da altivez com que nos falava e nos olhava.
Hum, aquele olhar...ai, ai, ai...dava medo! Quando fazíamos arte, nem precisava falar nada, era só olhar e os netos saíam todos correndo, cada um para um lado.
E se o olhar e a voz não bastassem, ele tinha pendurado na parede da cozinha um cinturão de couro, daqueles bem grossos, que ficava ali como um aviso mudo...claro que nunca o vi usando em alguém, mas era uma forma de intimidação e que funcionava muito.

Absurdo?
Talvez...mas nunca nenhum neto o desrespeitou, pelo simples fato de lembrar do cinturão.
Também temos que levar em conta que para meu avô isso não era absurdo.
Homem nascido na Bahia, criado num casarão cheio de filhos, aonde tinham que começar a trabalhar muito cedo.
Sempre contou que a família lá na Bahia tinha muitas terras e que foram perdidas por falta de documentação, não pagamento de impostos, essas coisas que acontecem muito.
Meu bisavô era o típico coronel do sertão e diziam até que tinha ligações com o Rei do Cangaço...affff, que meda!
Meu avô casou com minha avó e dizem as más linguas que teve que vir para São Paulo por conta de alguns "rolos" que teve por lá. Minha avó veio depois, com alguns filhos que lá tiveram e por aqui fizeram tantos outros...não lembro ao certo se foram 9 ou 10 filhos.
E eles criaram os filhos como foram criados: ensinando que os mais velhos cuidavam dos mais novos...isso queria dizer no cuidado pessoal e também que tinham que botar dinheiro dentro de casa o mais cedo possível...a cartilha era: eu mando, você obedece!

Na cultura deles, afeto pra filho queria dizer casa, comida e roupa lavada...não era por maldade, mas pelo simples fato de que foram criados assim também, não sabiam ser de outra forma.
Mas, com os netos meu avô tinha uma certa docilidade, sorriso...pegava no colo, brincava, gostava de ouvir e contar histórias.
Tinha um gravador, daqueles bem antigos e gostava que eu ficasse falando as notas do meu boletim escolar, pra ele gravar, riso.
Eles moravam numa casa com um terreno bem grande e tenho lembranças inesquecíveis dessa época.
A parreira que ele tinha, que cuidava com o maior carinho e ficava uma onça se pegássemos as uvas fora de época, ainda verdes.
Ele todo final de tarde varrendo aquele terreiro, com a vassoura de palha...ai os netos passavam correndo, levantando o pó novamente e ele xingava, xingava...riso.
As brincadeiras de esconde-esconde, pega-pega e todas as outras que fazíamos...nossa, era uma delícia ir lá pra brincar.
Os almoços inesquecíveis...a família era grande, como vocês podem perceber e meu avô era muito festeiro, tinha sempre alguém de fora para almoçar. A abundância de comida era impressionante e lembro do meu avô amassando pimenta malagueta no prato e comendo...baiano, né.

Tinha hierarquia para almoçar...primeiro os homens e depois as mulheres e crianças, mas ele ficava na mesa até o final, pra ver se todo mundo tinha comido bem.
Depois dava desespero de ver o tanto de louça que tinha pra lavar...eu dava sempre um jeito de fugir, hehehhehehehe.
As festas de São João...até hoje quando vejo uma fogueira lembro do meu avô...chego a sentir o cheiro de milho assando na brasa e vejo eu, meus irmãos e primos correndo em volta da fogueira.
As festas de aniversário que sempre acabavam em briga e choradeira, por conta de alguém que se entusiasmava na bebida.
E por falar em festa, meu avô sempre gostou de comemorar seu aniversário e todos os anos, sem faltar um, tinha uma frase célebre, que virou motivo de piada. Meu avô era dado a um discurso após os parabéns, chorava, agradecia todo mundo e falava: "esse ano é meu último aniversário!"
Sempre achava que iria morrer logo...morreu aos 71 anos...isso já faz uns 23 anos.

Muitas vezes, do nada, tive a impressão de sentir o cheiro de sua loção pós-barba...não esqueço desse cheiro, costumava pensar que era cheiro de avô!
E gosto de pensar que ele sempre está por perto, sorriso...
Lembrar é voltar na máquina do tempo...lembramos de um fato e um vai puxando o outro, quando vemos, o passado está todo em nossa frente, como um filme.
Um filme que não podemos mudar, mas que podemos ver e rever, curtindo os bons momentos e aprendendo com os não tão bons.

A casa continua lá, minha vó ainda mora nela, mas é só um borrão do passado...não tem mais meu avô, não tem mais cinturão na parede, não tem mais parreira...
Ficou a lembrança, o sorriso e um suspiro de saudade ao recordar.
Aí, vô, esse post vai pra você e por todas as boas lembranças que me permitiu ter!


imagem: www.arteciencia.com.br

sexta-feira, 22 de junho de 2007

6 Comments:

Anônimo said...

Seu avô devia ser um figuraça!!!!
Cinturão na parede dá medo mesmo, hein...riso.
Bom demais lembrar da infância, né, Edna?
Beijokas

Anônimo said...

Que bonito post!
Quase consegui ver vc e seus primos correndo pelo terreiro, em volta da fogueira.
Eu não conheci meus avós, então, não tenho essas lembranças...pena!

Simone said...

que lindo Edna! eu AMO história de família. Meu pai tb é assim, nem precisa brigar. Só olha e já diz tudo. E naquela época deles ninguém ia pra psicólogo ou dava chilique em supermercado ou entrava nos lugares atirando do nada. Que bom seria encontrar um meio termo. Porque tb o respeito era "conquistado" à base do medo, da intimidação. Sei lá! Há de haver alguma coisa intermediária.
Falando em avós, me lembrou de uma coisa. Escrevi no meu blog, vai lá ver depois. Bjs

Edna Federico said...

Meu avô era uma figura mesmo.
Obrigada, Cinthia e Simone...
Realmente, achar a medida exata da disciplina é muito difícil, eu diria impossível, riso.

Carmim said...

Nossa, depois desse texto o seu avô ia ficar derretidinho de admiração e gratidão. E pensaria: "Ah, como eu acertei nesta vida".
É muito bom lembrar essas coisas boas de infância, as pessoas que nos marcaram e influenciaram para sermos o que somos hoje.
De todas elas, as que partem e as que ficam, recebemos algum ensinamento, e retibruímos com um lugarzinho especial no nosso coração.

Beijinho, bom fim de semana.

Anônimo said...

oi fofs
nao é atoa que somos gemulas...
ate nas lembranças somos parecidas... obrigada por me dar a chance de viajar junto nesta maquina do tempo!!!

 
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